Isolamento Social e Distanciamento entre Políticas Públicas e Demandas Sociais
DOI:
https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.489Keywords:
COVID-19, Subnotificação, Epidemiologia Matemática, ControleResumo
A percepção e compreensão dos fenômenos naturais, sob o escrutínio rigoroso da ciência, promoveram historicamente profundas transformações na sociedade através dos avanços tecnológicos alcançados, com impacto direto na qualidade de vida e rotina individual, especialmente nas três últimas décadas da chamada era digital. A maior eficiência na tomada de dados, aliada à crescente capacidade de armazenamento e velocidade de processamento da informação, permitem que simulações matemáticas, confrontadas com dados empíricos, forneçam hoje previsões cada vez mais fidedignas com respeito ao comportamento de sistemas complexos, cuja organização, em diferentes escalas espaciais e temporais, depende das leis que regem a interação entre seus constituintes; as alterações climáticas e do meio-ambiente, em regiões monitoradas por satélites, e a produção de partículas elementares em colisões de núcleos atômicos, nos experimentos realizados no Large Hadron Collider, são exemplos de fenômenos que podem ser analisados através de simulações visando testar os respectivos modelos teóricos, reproduzindo os padrões observados a fim de prever novos eventos, a partir de um determinado conjunto de dados.
A pandemia da COVID-19 exige intervenções urgentes, além do distanciamento social e mudança de hábitos de população, visando minimizar o impacto devastador de uma doença completamente desconhecida há pouco mais de cinco meses, cujos riscos foram inicialmente subestimados devido à sua baixa letalidade, se comparada a outras doenças de caráter endêmico; porém, à medida que o número de casos crescia rapidamente em todo o mundo, atravessando fronteiras, percebeu-se que a infraestrutura médico-hospitalar necessária à atenção da demanda de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 seria insuficiente, mesmo em países com elevado IDH, cujo sistema de saúde público e privado vinha sendo capaz de atender, até então, a demandas regulares. Compreendeu-se que a taxa de contágio era muito superior ao prognóstico de desocupação de leitos hospitalares, sobretudo das unidades de terapia intensiva, e que os casos graves já não se restringem aos grupos de risco, constituídos por pacientes com baixa imunidade ou com outras comorbidades, devido à idade avançada e outras doenças prevalentes.
Neste trabalho, discutimos as limitações do modelo SIR tradicional, utilizado para descrever a evolução do número de indivíduos suscetíveis (S), infectados (I) e recuperados (R) ao longo de uma epidemia, e a sensibilidade do ajuste de seus parâmetros aos dados referentes ao número de novos casos registrados da COVID-19. Mostramos que a subnotificação dos primeiros casos, bem como o desconhecimento do número de indivíduos suscetíveis nessa fase inicial da epidemia comprometem os prognósticos do modelo teórico, especialmente útil para estimativas envolvendo o conhecimento prévio do número de reprodução básico da doença. A fim de contornar esse problema e responder a outras questões importantes, construímos um modelo mais geral, o SI_3R_2 estocástico, para descrever a dinâmica de interações sociais durante uma epidemia, em que a exposição, contágio e recuperação, ou óbito, de cada indivíduo de certa população obedecem a regras probabilísticas; sua estrutura modular permite a estratificação da população de acordo com atributos individuais e coletivos, além de estabelecer relações que regulam o fluxo de indivíduos entre módulos distintos.
Um dos principais problemas no enfrentamento da crise gerada pela disseminação da COVID-19 em nosso país é a desinformação, que compromete a adesão da população às medidas preventivas que devem ser adotadas para a redução do risco de contágio. Atualmente, o maior desafio para esse controle por parte do Estado é a subnotificação de casos, em particular o número insuficiente de testes que permitem identificar os portadores da doença. Através de simulações utilizando o modelo estocástico, essa questão também é abordada na presente exposição, que desnuda a fragilidade das medidas de isolamento social em base aos registros de novos casos. O estudo aqui apresentado visa estreitar o diálogo entre a comunidade científica, o poder público e a sociedade.
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